Por Rodrigo Fonseca*
15/07/2010 - A sociedade constrói a ciência e a tecnologia, ao mesmo tempo, a ciência e a tecnologia constroem a sociedade. Sem determinismos de parte a parte. Esta é, em geral, a lição mais difícil de compreender quando começamos a estudar as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). No entanto, é também a lição mais importante porque nos abre duas portas: uma para o entendimento dessas relações e outra para a ação.
Partindo da ideia de que não há neutralidade da ciência nem determinismo tecnológico ou social nas relações CTS, abre-se a primeira porta. E esta é a que explica a construção da tecnologia segundo o jogo social no qual estão presentes atores com seus interesses, valores, com diferenças de poder, de saberes e de capacidades. Isto equivale a dizer que a tecnologia não segue um caminho predeterminado ou é sempre a “melhor” tecnologia ou a de “ponta”. O sentido do desenvolvimento da tecnologia vai se dar de acordo com o complexo jogo de relações que se estabelecem em qualquer sistema social.
No jogo de relações da nossa sociedade, a tecnologia produzida tem participado da construção de uma sociedade socialmente desigual e ambientalmente insustentável. David Noble usa a expressão “Fetiche Cultural da Tecnologia” para nomear a dominação que continua a moldar a sociedade e a tecnologia de acordo com a “compulsão irracional da ideologia do progresso” que determina o uso e desenho ex ante da tecnologia.
A tecnologia predominante no mundo hoje é a que inclui no seu desenvolvimento os valores e os interesses que predominam no jogo social e que servem para construção desse tipo de sociedade. Se pensarmos em outro tipo de sociedade, temos de pensar em construir outro tipo de tecnologia. Esta constatação nos abre a segunda porta, a da ação.
Diferentes pessoas em diferentes lugares do mundo chegaram a esta compreensão por caminhos diversos. Alguns compreenderam essa questão teoricamente e procuraram realizar pesquisas para demonstrá-la.
Podemos citar os clássicos estudos sobre a trajetória tecnológica da bicicleta e da geladeira de Pinch e Bjiker e estudos de outros autores como Winner, Latour e Callon – ligados à corrente construtivista dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Outros entenderam essa ideia na prática e passaram a fazer tecnologia introduzindo, de forma consciente e intencional, interesses e valores de grupos sociais menos privilegiados e/ou critérios em geral negligenciados, como os de sustentabilidade ambiental.
Diferentes pessoas em diferentes lugares do mundo chegaram a esta compreensão por caminhos diversos. Alguns compreenderam essa questão teoricamente e procuraram realizar pesquisas para demonstrá-la.
Podemos citar os clássicos estudos sobre a trajetória tecnológica da bicicleta e da geladeira de Pinch e Bjiker e estudos de outros autores como Winner, Latour e Callon – ligados à corrente construtivista dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Outros entenderam essa ideia na prática e passaram a fazer tecnologia introduzindo, de forma consciente e intencional, interesses e valores de grupos sociais menos privilegiados e/ou critérios em geral negligenciados, como os de sustentabilidade ambiental.
O entendimento de que o problema da exclusão social e a ciência e tecnologia estão relacionados e que essas podem desempenhar papel importante na redução das desigualdades sociais é um forte orientador para a intervenção no meio social. O enfoque tecnológico para inclusão social tem um sentido transformador, buscando gerar uma tecnologia desenvolvida com os atores sociais interessados e segundo valores e interesses alternativos e, por isso, capaz de promover a inclusão social.
O enfoque tecnológico para o tema da exclusão/inclusão indica a formulação de um modelo de desenvolvimento alternativo, econômico, ambiental e socialmente sustentável. Aí está a porta da ação. Tecnologia não é apenas o artefato, mas também o sistema de conhecimentos e a organização necessária para produzi-la e operá-la.
Langdon Winner afirma que as máquinas, as estruturas e os sistemas devem ser julgados não apenas por suas contribuições à eficiência, à produtividade e por seus efeitos ambientalmente positivos ou negativos, mas também pela forma que podem incorporar formas específicas de poder e autoridade. Segundo o autor, a tecnologia possui intrinsecamente algum conteúdo político. A história da arquitetura, planejamento urbano e obras públicas, segundo ele, forneceriam bons exemplos de arranjos físicos ou técnicos que permitem observar conteúdo implícita ou explicitamente políticos.
Exemplos do passado mostraram como tentativas de desenvolvimento e difusão de tecnologias alternativas podem falhar em seus objetivos de transformação social. Nos anos 1970, houve uma proliferação de defensores de tecnologias diferentes das convencionais, que integraram o movimento da chamada Tecnologia Apropriada (TA). Essas tecnologias tentavam se diferenciar daquelas consideradas de uso intensivo de capital e insumos sintéticos e poupadoras de mão-de-obra, produzidas nos países desenvolvidos.
Exemplos do passado mostraram como tentativas de desenvolvimento e difusão de tecnologias alternativas podem falhar em seus objetivos de transformação social. Nos anos 1970, houve uma proliferação de defensores de tecnologias diferentes das convencionais, que integraram o movimento da chamada Tecnologia Apropriada (TA). Essas tecnologias tentavam se diferenciar daquelas consideradas de uso intensivo de capital e insumos sintéticos e poupadoras de mão-de-obra, produzidas nos países desenvolvidos.
As TAs, no entanto, foram desenvolvidas sem uma base crítica sobre a visão neutra, determinista e instrumental da tecnologia. A visão corrente nesse período estava fundamentada no Modelo Ofertista Linear, que supunha que o conhecimento pudesse ser “ofertado” por uns e “demandado” por outros, sem o envolvimento dos atores sociais interessados na concepção da tecnologia. Nesse modelo, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação eram vistos como fases de um processo que guardavam entre si uma relação de causalidade sequencial-linear. Segundo ele, o desenvolvimento social seria obtido a partir da pesquisa científica, e o meio acadêmico seria o lócus ideal para o início daquele processo virtuoso. Em seguida, viria o desenvolvimento tecnológico, que levaria à inovação, que traria por consequência o desenvolvimento econômico e, como decorrência “natural”, o desenvolvimento social.
Esse modelo linear para o surgimento de novas tecnologias ou inovações foi fortemente criticada a partir da década de 1980 pela corrente da Teoria da Inovação. Durante a mesma década, na qual floresciam os princípios da Teoria da Inovação, o movimento da TA perdeu força diluído na expansão do pensamento neoliberal. Na égide neoliberal que se segue aos anos 1980, a redução das conquistas sociais é realizada sob a justificativa de que tais conquistas representam um custo intransponível para o desenvolvimento econômico no longo prazo. Direitos e cidadania passam a ser tratados como uma abstração, mas os interesses empresariais como elemento concreto. As novas bases de acumulação permitem que apenas uns poucos se beneficiem do aumento da riqueza mercantil e financeira.
A construção de uma Política de Ciência e Tecnologia que tenha resultados de inclusão social e promova um modelo de desenvolvimento realmente sustentável passa necessariamente pelas duas portas que mencionadas anteriormente. Aqui se insere o movimento em torno do conceito e das práticas de Tecnologia Social (TS).
O movimento de TS parte dessa reflexão para desenvolver tecnologias que incorporem, da concepção à aplicação, uma intencionalidade de inclusão social e desenvolvimento econômico-social e ambientalmente sustentável. Para tanto, cada TS deve ser definida de acordo com o contexto, pela relação particular da tecnologia com a sociedade e envolvimento dos atores interessados.
Um dos principais objetivos da TS é dotar um dado espaço socioeconômico de aparatos tecnológicos (produtos, equipamentos, etc.) ou organizacionais (processos, mecanismos de gestão, relações, valores) que permitam interferir positivamente na produção de bens e serviços e, assim, na qualidade de vida de seus membros, gerando resultados sustentáveis no tempo e reprodutíveis em configurações semelhantes.
No entanto, o fato de que a condição periférica brasileira tender a gerar efeitos distintos – ou até contraditórios – daqueles obtidos nos países centrais por uma dada medida de política pública, embora a muito conhecido, não tem sido levado em conta. No campo da Política de Ciência e Tecnologia (PCT), a adoção da literatura importada como “manual universal de como elaborar políticas que estimulem a inovação” para promover a competitividade e o desenvolvimento social, gera um ambiente pouco propício para a concepção de marcos analítico-conceituais originais que contribuam para a elaboração da PCT.
Nesse contexto, a proposta da TS significa, em lugar da busca de um resultado estritamente econômico do processo de produção do conhecimento, um deslocamento do vetor de orientação diretamente para o resultado social, percebido como melhoria no plano coletivo (qualidade de vida, em seus diversos aspectos) ou em uma maior eficiência na gestão pública com finalidades sociais.
Em lugar da apropriação privada do resultado, com ganhos privados, a TS preconiza a apropriação coletiva dos resultados, propiciando um modo radicalmente distinto de conformação do espaço socioeconômico. Não se trata, pois, de agir apenas no espaço social, entendido como de natureza posterior ao espaço econômico a ser satisfeito com precedência, como antagônico e excludente em relação àquele. Trata-se de agir no espaço socioeconômico de uma forma que privilegie os resultados que podem ser apropriados coletivamente, seja em termos econômicos e tangíveis, seja em termos sociais e intangíveis.
O efeito inovador da TS não reside necessariamente no ineditismo. Ele está associado às condições locais de seu desenvolvimento e aplicação (binômio indissociável denominado pela Economia da Tecnologia de Inovação). É por isso provável, e desejável, que uma determinada TS, que já foi aplicada em determinado contexto ou espaço suscite soluções e processos de reinvenção e inovação distintos dos convencionais.
Assim, repetir experiências exitosas tenderá a ser um processo profundamente inovador com resultados também inovadores.
Enquanto no espaço econômico tradicional a inovação (cujo resultado tem sua apropriação privada garantida pelo Estado através da “propriedade intelectual”) cria riqueza para poucos, no espaço da TS o resultado positivo da inovação é coletivo. Isso porque ele decorre, precisamente, da capacidade do empreendimento de natureza social conter, como elemento constitutivo, a capacidade de reproduzir-se e difundir-se coletivamente. Uma TS não gera mais riqueza por ser inédita e restringir a abrangência de seu uso a poucos. Ao contrário, ela cumpre seu objetivo se consegue, a partir dos seus elementos constitutivos, reproduzir-se e difundir-se. Esta pode ser uma referência importante para a construção de uma Política de Ciência e Tecnologia realmente promotora de desenvolvimento sustentável e equitativo.
Assim, repetir experiências exitosas tenderá a ser um processo profundamente inovador com resultados também inovadores.
Enquanto no espaço econômico tradicional a inovação (cujo resultado tem sua apropriação privada garantida pelo Estado através da “propriedade intelectual”) cria riqueza para poucos, no espaço da TS o resultado positivo da inovação é coletivo. Isso porque ele decorre, precisamente, da capacidade do empreendimento de natureza social conter, como elemento constitutivo, a capacidade de reproduzir-se e difundir-se coletivamente. Uma TS não gera mais riqueza por ser inédita e restringir a abrangência de seu uso a poucos. Ao contrário, ela cumpre seu objetivo se consegue, a partir dos seus elementos constitutivos, reproduzir-se e difundir-se. Esta pode ser uma referência importante para a construção de uma Política de Ciência e Tecnologia realmente promotora de desenvolvimento sustentável e equitativo.
*Rodrigo Fonseca é sociólogo, doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp e analista da Finep/MCT.
Fuente: www.rts.org.br
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